Do deserto da busca ao oceano da quietude:
Reflexões sobre alguns elementos do sufismo através do estudo da noção de deserto na poesia de Hâfez de Chiraz, mestre sufi e poeta persa do século VIII H. / século XIV D.C.
Resumo
Este artigo busca analisar o uso da noção de deserto na poesia de Hâfez de Chiraz, mestre sufi "místico” iraniano do século XIV. Ele avança, todavia, para além disso, ao tomar certos dísticos de Hâfez como suporte para descrever elementos do erfân. De origem árabo-persa, este termo é frequentemente traduzido por “sufismo” no ocidente. Ele designa o conjunto de ensinamentos, métodos e etapas iniciáticas que conduzem ao conhecimento de Si, que equivale ao conhecimento da Existência. O deserto, que se diz biâbân em persa, está relacionado a inúmeras noções, inclusive com a primeira etapa do caminho espiritual sufi que é a talab, significando notadamente vontade, busca. Hâfez, ao fazer uso da noção de deserto, convida à vigilância no caminho da busca espiritual e evoca os perigos que neste se pode encontrar. A vontade, alimentada pelo amor, conduz o sufi a uma imensa vastidão de possibilidades que engendram tanto pontos de interesse que desviam do caminho quanto referenciais indicando a meta final, frequentemente simbolizada pelo reencontro com o Amado. De acordo com Hâfez, para atravessar este deserto é preciso um guia, um mestre que, tendo percorrido todas as etapas iniciáticas, é capaz de guiar o adepto sufi até que ele atinja sua meta. No sufismo, isto consiste em conhecer sua própria identidade, seu “Eu” verdadeiro que, estando submetido às leis da Existência, realiza-se como o lugar-tenente de Deus. Este “Eu”, longe das definições psicológicas, engloba as duas inseparáveis dimensões humanas que são bâten – o mundo intangível interior, campo de recepção; e zâher – o mundo tangível exterior, campo de percepção. O sufi realizado é aquele que, ao ultrapassar os limites da ordem individualista, realiza-se em plenitude existencial, à imagem de uma gota de água que se encontra na quietude do oceano.
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