A música da prosa. Traduzindo os recursos sonoro-semânticos da Utopia, de Thomas Morus (livro II)
DOI:
https://doi.org/10.28998/rchvl6n12.2015.0005Resumo
Ao traduzir a Utopia do latim ao português do Brasil, percebi um texto em alguns aspectos diferente daqueles publicados em traduções do libellus aureus. Nestas, certas características do modo pelo qual se expressa Thomas Morus se perdem. Uma delas, o caráter poético, já havia sido notado por Erasmo, que em seu Diálogo ciceroniano (1528) dizia ser possível reconhecer “o poeta” na prosa de Morus, algo decorrente, sempre segundo Erasmo, de uma longa prática de escrita de poesia. Pode-se reconhecer esse caráter poético por exemplo, em certa musicalidade, expressa, na Utopia, na forma de “rimas e ritmos” (cf. André Prévost, 1978), ou em figuras como a litotes (estudada por Elizabeth McCutcheon, 1971), que constituem, junto a outros elementos, um texto denso, bem distante da neglectam simplicitatem, pista falsa com a qual Morus caracteriza sua Utopia, na célebre carta a Pieter Gillis. Ainda no século XVI, Juan Vives recomendava a leitura da Utopia por duas razões: tanto pelo uso da língua quanto pelo assunto. E, no entanto, ao longo dos séculos, a Utopia parece ter sido objeto de seus críticos sempre mais pelo assunto do que pelas especificidades de seu estilo, dissociação que, ressalte-se, é artificial, se pensarmos que forma e sentido são indissociáveis. Tal predileção pelo sentido em detrimento da forma se percebe pela escassez de bibliografia que trata do estilo da prosa moreana e pela pouca atenção que suas particularidades têm recebido por parte dos tradutores, que, em geral, não se preocupam em traduzir as figuras de som, reforçando a separação letra/espírito. Este artigo apresenta algumas das figuras de som do livro II da Utopia, cotejando o texto latino com algumas traduções para o português, italiano, francês e inglês, colocando em relevo o uso poético que Morus faz do latim.Downloads
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