A literariedade do discurso platônico: uma análise cenográfica da República I (327a a 331d)
DOI:
https://doi.org/10.28998/2317-9945.202065.41-47Palavras-chave:
Platão. A República (Politeia). Sócrates (personagem). MimeseResumo
O artigo analisa a cena de abertura de A República de Platão a partir de ferramentas dos estudos literários e da historiografia, levando em conta contribuições recentes da crítica platônica anglo-germânica. Se, por um lado, persiste a ideia de que na República se encontra um manifesto contra a ficção literária — encarada como um registro potencialmente falsificador da realidade —, há de se considerar, por outro, quão artisticamente elaborado o diálogo socrático é. Argumentamos que o próprio formato dialógico do texto impede uma interpretação de Platão como um racionalista dogmático, cético ante o potencial da poesia. Ao contrário, o jogo entre expectativas genéricas, ao qual somos expostos desde os embates iniciais entre as personagens Sócrates, Glauco, Trasímaco e Céfalo — em trechos que vacilam entre o registro dramático e a filosofia —, exige tanto uma reapreciação dos posicionamentos platônicos perante as belas artes, quanto uma reconsideração do peso de cenários, personagens e tempos narrativos como elementos constituintes da argumentação filosófica.
The literariness of the platonic discourse: a scenographic analysis of the Republic I (327a to 331d)
The article aims to analyze the opening scene of Plato’s Republic based on literary studies and historiography devices, taking into account recent contributions from Anglo-Germanic Platonic studies. If, on the one hand, the idea that in the Republic one may find a manifesto against literary fiction — taken as a potentially falsified version of reality — still persists, one has also to consider, on the other hand, how artistically elaborated is the Socratic dialogue. We will argue that the dialogical format of the text itself precludes an interpretation of Plato as a dogmatic rationalist, skeptical towards the potential of poetry in general. Rather, the play between generic expectations and what one already finds in the opening discussions among the characters Socrates, Glaucus, Thrasymachus and Cephalus — in scenes that waver between the dramatic format and philosophy — require not only a re-examination of Plato’s claims on the arts, but also of the value of scenarios, characters and narrative temporality as constituent elements of philosophical argumentation.