No. 46 (2010): Fonologia e gramática

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O número 46 de Leitura. Revista do Programa de Pós-graduação em  Letras  e  Linguística  da  UFAL, que ora vem a público, cobre um campo de estudos da linguística que, na tradição das nossas universidades, mais especifcamente desta universidade, não tem se mostrado muito atraente, aquela parte da língua a que consideramos a expressão, em oposição ao conteúdo, ou seja, a parte do signifcante.  Por  isso,  tomo  emprestado  um  trecho  do artigo da Professora Maria Helena Mira Mateus, julgando que assim se fará melhor a apresentação deste número.

 

Falar das unidades mínimas da língua nem sempre desperta o interesse (e muito menos a paixão) que sinto por estes estudos. Espero, no entanto, que o tema que aqui desenvolvo tenha pelo menos um pouco do encanto que tem para mim o estudo dos sons do português, sobretudo quando proponho aplicá-lo ao nível oral da língua. Assim, chamei a mim a agradável tarefa de tratar os sons da fala e dos sons da  língua, ou  seja, a  fonética e a fonologia. Tentarei de seguida apresentar alguns argumentos em favor da contribuição destas áreas da linguística para a aprendizagem do português.

(Maria Helena Mira Mateus).

 

Este número traz um conjunto de artigos que representam um pouco o que se vem fazendo na área dos estudos dos sons nas nossas universidades e os interesses e objetivos que podem ter esses estudos. Vai-se desde a descrição  pura  e  simples  de  um  fenômeno  linguístico, ainda  no  nível  fonético,  passando  pela  discussão  de abordagens  teóricas,  trazendo  evidências  para  sustentar novas  tendências  de  estudos,  propondo  aplicação  desse conhecimento, às vezes tão árduo de ser adquirido, pelo menos aparentemente, ao ensino de língua portuguesa, à aquisição da escrita.

Novamente, aproprio-me, em certa medida, das descrições que os próprios autores fazem dos seus esforços e apresento os artigos que a Revista Leitura coloca à disposição dos leitores, sejam estes estudiosos dos sons das línguas naturais ou não.

Na linha da aplicação ao ensino, Maria Helena Mira Mateus, grande estudiosa de Fonologia e Gramática, enfatiza a importância dos estudos de fonética e fonologia para o ensino e aponta os aspectos mais relevantes da  fonética  e  da  fonologia  do  português  quer  para  a aprendizagem  da  ortografa,  quer  para  a  produção  e compreensão da  língua  falada, quer para a utilização da prosódia apropriada às diversas circunstâncias do discurso oral. Raquel Meister Ko. Freitag parte da Fonologia de Usos,  utilizando  os  pressupostos  da  sociolinguística e aborda a realização da lateral palatal [ʎ] e suas variantes [l], [lj]  e  [y]  e os  correspondentes  grafêmicos  “lh”,  “l”  e “i” no universo de alunos do primeiro ciclo da educação básica, procurando mostrar uma relação entre frequência de uso e aquisição de escrita, enquanto Cristiano Egger Veçossi e Giovana Ferreira Gonçalves analisam dados de produções escritas de alunos de 8ª série de uma escola pública e procuram mostrar que os casos de hipo e hiperssegmentações na escrita desses alunos podem ser infuenciados  não  apenas  por  fatores  da  oralidade mas também por fatores concernentes às convenções próprias da escrita.

Buscando  evidências  empíricas  para  novas abordagens teóricas, Thaïs Cristófaro Silva e Carlo Sandro de Oliveira Campos discutem casos de vogais médias com timbre intermediário entre fechado e aberto que ocorreram em casos de generalização fonológica em formas verbais do português brasileiro, explorando uma nova ideia para o estudo dos sons, a generalização fonológica baseada na frequência,  conforme  os  pressupostos  da  Fonologia  de Usos.   Giselly  de Oliveira  Lima  apresenta  os  processos fonológicos que estão diretamente envolvidos com a síncope  nas  proparoxítonas  no  Sudoeste  Goiano,  como ressilabação, assimilação e reestruturação dos pés métricos, avaliando se os processos fonológicos, provocados pela síncope da  vogal  postônica,  podem  ser  explicados pelos modelos métricos  de  Selkirk  (1982),  para  a  sílaba,  e  de Hayes (1995) para o acento.

Discutindo  o  poder  explanatório  de  uma  teoria, Giovana Ferreira Gonçalves e Felipe Flores Kupske lidam com o fenômeno da Opacidade fonológica e buscam demonstrar que a teoria da otimidade não é capaz de formalizar  todos  os  casos  de  opacidade  existentes  nas línguas do mundo, e por  isso   advogam que a opacidade deve ser tratada como uma questão da representação linguística  adotada por  certos modelos de  formalização, defendendo, então, como possibilidade, um modelo multirrepresentacional  de  representação  linguística,  a Teoria de Exemplares.

No terreno das línguas indígenas, e aventurando-se pela  fonética experimental,  com objetivos diferentes, que vão do léxico ao discurso, apresentamos dois artigos. Miguel Oliveira, Jr. procura investigar se – tal como acontece em diversas línguas amplamente documentadas e analisadas – a prosódia participa na sinalização da estrutura do  discurso  em  Kisêdjê,  uma  língua  nativa brasileira pertencente ao grupo  Jê. Diogo Félix Cabral e Januacele Francisca da Costa analisam em Yaathe, outra língua Macro-Jê, o padrão prosódico de palavras que têm a mesma representação segmental, mas que são diferentes em termos de signifcados,  buscando  confrmar  para  o Yaathe o status de língua tonal, conforme já afrmado por outros estudiosos da língua.

Finalmente, dois artigos fecham o número. Tatiana V. B. Farias e Valeria Muniz levantam uma questão talvez ainda impensada ao tentarem dissociar a pontuação da oralidade, ou seja, das pausas necessárias à produção dos enunciados, e tentarem demonstrar o seu papel na coesão e na coerência dos  textos,  estabelecendo,  desse modo,  um  vínculo  com  a  sintaxe. No único  artigo  que trata  de  gramática especifcamente  falando-se,  em  uma perspectiva histórica, Marco Antonio Martins apresenta uma  descrição  dos  padrões  empíricos  de  ordenação dos  pronomes  clíticos  atestados  em  textos  escritos  por portugueses e por brasileiros nascidos ao longo dos séculos 13 e 20. O objetivo é evidenciar de que modo a  sintaxe da ordem dos clíticos tem sido interpretada por diversos autores como refexo de mudanças sintáticas que estão na origem de diferentes gramáticas do português.

Publié-e: 2011-09-20

Estudos Linguísticos